Por José Aerton, para a coluna Por Linhas Tortas - 03/09/2021
Estranho e paradoxal é o tratamento que certos grupos sociais e profissionais dão à língua. Apesar de sua função clássica e sagrada de comunicar, usam-na exatamente com finalidade inversa. Não raro, ela usada para não comunicar, desinformar, formar ignorantes, criar barreiras elitistas e segregacionistas. Depois de ser inventada a cerca de 50 mil anos - segundo alguns pesquisadores- e facilitar a comunicação entre os homens, a linguagem oral e depois em associação com a escrita, ganhou poder bélico e capacidade de “desglobalizar” o mundo.
Inicialmente, o poderio bélico da linguagem não diz que ela dispara tiros de morteiros ou fuzis modernos, mas que ela vai, concomitante às ações dos déspotas e ditadores, servir como instrumento de dominação de um povo sobre outro. Uma vez imposta a uma sociedade, essa se enfraquece perdendo identidade linguística, um dos pilares de sua independência como povo. Em “1984”, o romance distópico de George Orwell, o regime impõe ao povo um novo idioma. A partir desse, as palavras ganham novos significados e ganham o status de serem algo que passa a desinformar, tornando-se veículo de disseminação das novas verdades pregadas.
Análoga à ficção distópica de Orwell, o poder de comunicação da linguagem escrita e falada é amplamente usado para desinformar, criar pós-verdades e confundir a opinião pública. São criadas narrativas falsas com as quais se distorce fatos históricos e se cria novos completamente oblíquos àqueles. Estão aí as fake news a pleno vapor corroborando essa teoria, amplamente apoiadas por governantes e suas narrativas descontruídas daquilo que formou a história de nosso povo, para citar o Brasil como exemplo.
Ademais, as barreiras linguísticas criadas por classes profissionais, grupos sociais e pela academia também atuam como catalizadores para a promoção da não comunicação, esse paradoxo triste amplamente usado com a linguagem. Os muros levantados pelas práticas de usar a linguagem de uma forma que apenas os pares daquele extrato possam acessar é um desserviço a qualquer sociedade por ser ato segregacionista, separatista, preconceituoso e desumano em muitos casos. Advogados com seu “juridiquês” e as produções escritas pela academia, cujos discursos apenas seus pares entendem, são exemplos da língua sendo usada para não comunicar.
Espera-se que além das barreiras naturais de entendimento dos idiomas diversos, outras possam não ser criadas. Anseia-se que a chamada era da comunicação dê cabo a qualquer tipo de discriminação e separação entre os falantes, que a linguagem continue a construir pontes e estradas, e que que não se pague pedágio algum para passar por elas.
José Aerton é pernambucano, tem 49 anos e mora em Cabo Frio no Rio de Janeiro. Marido, pai e avô. Pós-graduado em Letras, atua como professor de língua portuguesa e italiana. Tem três livros publicados, dois deles de redação para o Enem e um de poesias e crônicas, segue inspirado e apaixonado pela arte da escrita. Como alimento para essa paixão, mantém a conta @joseaerton no Instagram.
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