Fragmentos do Silêncio
- Jonatas Perote
- 16 de mai.
- 2 min de leitura
Atualizado: há 3 dias
Por Jonatas Perote, Maracaçumé/MA, 16 de maio de 2025.
O homem é uma corda estendida entre
o animal e o super-homem – uma corda sobre o abismo.
Nietzsche
Em uma vida que dura menos que uma sacola plástica, pequenas enxurradas formam-se no alto da colina. Explosões ressoam ao longe. A água desce devagar, mas traz consigo a fúria contida dos dias. Junta-se a outros elementos: lágrimas, tristezas e desilusões. No vale, tudo se move. Nada resiste. Só restam entulhos. Rastros de destruição — lama escura e densa, quase viva. Há uma vontade voraz de entregar-se ao caos.
Entre os escombros, uma cabeça emerge. Não por força, mas por instinto. Implora, sem querer, por socorro. Por alívio. Socorro não há. Sobra apenas o entristecer absoluto da palavra não dita, da flecha não lançada, do gesto sufocado. A exasperação se instala devagar, poeira que se acumula nos móveis. O cansaço dos milênios fatia-se no ponteiro das horas. Tudo range. Tudo é prenúncio do colapso. As certezas se corroem em silêncio. E a esperança, que ainda gritava em meio à loucura, atira-se montanha abaixo.
Os dedos procuram no que se agarrar: a si, ao outro, ao porto. Mas o corpo pesa. O tempo pesa. A alma, ainda mais. A cabeça afunda. E cada respiração vem com o gosto do fracasso anterior. Ele procura gritar. Voz não há. O silêncio - velho companheiro - é um espectro, figura fantasmagórica ao seu lado.
E sempre foi assim. As ruínas que mostramos por fora apenas espelham os escombros por dentro. O que desaba não é a colina… é a própria alma. E o silêncio, paciente, recolhe os cacos de lama endurecida, encaixa-os como quebra-cabeças, peça por peça, e com o barro que restou, tenta colar o que já não se sustenta.
No fim, tudo é sacrifício. Não há salvação. O castigo perpétuo é a consciência de ser. Saber-se finito, frágil, ínfimo. Cada segundo que tiquetaqueia rouba uma fração de vida. A existência pesa como fardo. A lucidez corta como sentença. Talvez fosse melhor ser vegetal, pedra ou pó.
Mas o destino é outro. Caminhar - mesmo em pedaços. Equilibrar-se nas cordas, entre o abismo e o melhor que poderíamos ser. Porque, diferente da sacola plástica que sobrevive aos ventos e ao tempo, a vida se desfaz em cada passo, cada vez mais rápida, e resta-nos o peso eterno de sua finitude.
Sobre o autor
Jonatas Perote é poeta, professor e habita o espaço entre o silêncio e o papel. Formado em Filosofia, encontra na escrita um modo de expurgo e resistência. Cada palavra, para ele, é uma tentativa de aliviar o peso do que não se diz — ainda que o vazio sempre retorne mais denso. Compartilha sua literatura no Instagram (@jonatasperote), onde lirismo, dor e contemplação existencial se entrelaçam. Tem obras publicadas pela Editora Frutificando, onde também assina esta coluna.
Sensacional. "O silêncio - velho companheiro - é um espectro, figura fantasmagórica ao seu lado."
Que frase profunda que nos faz repensar sempre a vida. E por falar em vida, o que importa no final de tudo é simplesmente Viver a Vida.
Parabéns ao autor. Que venham mais posts. Abraços. Antonio.
Eita profundidade, hein, Jonatas. Eu amo ler seus textos. "Caminhar - mesmo em pedaços", dá até um título de livro. Esse é o segredo da vida. Parabéns pela entrega!