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O vazio e o verso

Por Jonatas Perote, Maracaçumé/MA, 15 de abril de 2025.


Eu canto porque o instante existe [...]

Sei que canto. E a canção é tudo.

Tem sangue eterno e asa ritmada.

E um dia sei que estarei mudo:

- mais nada.

Cecília Meireles


É difícil dizer a partir de que momento o vazio principiou. Talvez nunca tenha começado - sempre foi. A cosmogênese da tradição judaico-cristã situa-o antes da criação. Era tudo que existia. O que escapa à nossa imaginação. Silêncio ensurdecedor sobre o nada. Abismo. Melancolia. Penumbra. Inexistência de cronos, de forma, de sentido. Até que a palavra foi proferida, as águas agitaram-se e tudo se fez. O verbo em ação.

Do burburinho que veio da escuridão, algo desse vácuo permaneceu e contaminou toda a criação do homem. Obra frágil, moldado não do mais nobre material, mas do dúbio, do maleável, do delirante, do incerto. Tudo bem: imagem e semelhança, se lhe serve de consolo. Familiar com os deuses, mas errático. Escondeu-se na própria vergonha e insignificância até ser expulso do paraíso - um corte na própria carne. Perambulou pelo mundo sem pertencer à coisa alguma.

Construiu civilizações, promoveu guerras, cantou sob o efeito do vinho, forjou divindades, compôs versos. E suavizou a própria vida. De si, foi capaz de gerar o belo... E o grotesco, essa chama animalesca que tentou esconder. Criou. Fez-se. Seu próprio espelho. Em sua pequenez foi capaz de grandiosidades.

Para tornar-se eterno, rebelou-se contra a efemeridade.

Assim como os deuses, usou a palavra para exprimir o nada que sentia. Entoou epopeias, versos, sonetos… Sons ínfimos. Sem conseguir superar a própria ausência e habituado à frivolidade que antecedeu o verbo, esse estranho fragmento de deidade tentou, na aspereza do papel e no rabisco das letras, trazer sentido à própria alma.

Nas ranhuras da superfície escrita, buscou compreender o que nunca conheceu. Fez arte, filosofia e música. Mas no peito, cada vez que gastava a pena e o lápis, aumentava a estranha mania de cavoucar profundamente as próprias entranhas em busca de si.

No entanto, o que encontrou foi somente o entendimento de que a poesia não cura as feridas. A poesia é a própria cicatriz…

O vazio não será preenchido: será cantado!

E na imperfeição dos versos, no doce lamento e na terna amargura de rasgar-se e emendar-se, resta-nos compreender uma verdade que poucos poderiam suportar: A escrita não é para encontrar o sentido da vida, 

mas para suportar a ausência dele. 


Sobre o autor


Jonatas Perote é poeta, professor e habita o espaço entre o silêncio e o papel. Formado em Filosofia, encontra na escrita um modo de expurgo e resistência. Cada palavra, para ele, é uma tentativa de aliviar o peso do que não se diz — ainda que o vazio sempre retorne mais denso. Compartilha sua literatura no Instagram (@jonatasperote), onde lirismo, dor e contemplação existencial se entrelaçam. Tem obras publicadas pela Editora Frutificando, onde também assina esta coluna.



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6 comentários

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Josiiane
16 de abr.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Suportando lindamente! Como não lê-lo? 🥰

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Convidado:
16 de abr.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Suportando lindamente! Como não lê-lo? 🥰

Editado
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Nemiel
15 de abr.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Uma leitura que vale apena.👏🏼👏🏼

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Convidado:
15 de abr.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Parabéns 👏 👏 muito bom.

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Janaína
15 de abr.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

"A poesia é a própria cicatriz…" a perfeição desse trecho é inexplicável. Certamente vai reverberar pra sempre dentro de mim. Parabéns, Jonatas. Texto incrível. 👏

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Jonatas perote
15 de abr.
Respondendo a

Obrigado Janaína! A escrita será sempre essa ferida/cicatriz...

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