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O Respiro Entrelinhas

Por Nicole Gonçalves, para a coluna Mana em Letras - 17/07/2021


Você que lê livros, que faz livros, que brinca com as palavras. O que é literatura? Qual é a primeira coisa que te vem à mente quando pensa nela? Talvez pense no usar da técnica, na criação de textos esteticamente bem feitos. Só que... Ela é maior do que isso, tão maior. Ela vai além de nós e das palavras. Literatura é sobre sentir. É aquele grito embargado na garganta que não sai se não pela composição de letras. É formiga que carrega dez vezes o próprio peso e não reclama. É capacidade de ter olhar singelo mesmo nesse mundo tão afoito; de andar devagar quando tudo pede pressa. A literatura é simples. É gente, é bicho, é planta. Tem gente que é literatura sem nem saber ser literário, porque não é só técnica: é sobre perspectiva de existência.

Tenho em mim a certeza concreta de que todo mundo tem um eu literário capaz de achar lar nas palavras, mesmo que as de outrem. A poesia, a literatura e a escrita ultrapassam o simples falar. É cientificamente comprovado que a poesia, a nível cerebral, gera mais prazer até que a música. Quando entramos em contato com um poema, são despertadas partes do nosso cérebro antes desligadas mesmo quando expostas ao estímulo de filmes e melodias. Nosso corpo fala, se comunica.

É muito engraçado pensar que por vezes só entendemos a magnitude das coisas quando elas ultrapassam e alcançam os sentidos. Acho que isso parte do princípio da expectativa palpável, do "ver pra crer". Palavras não são tangíveis, sensações, sim. Sensações causadas por palavras criam um paradoxo que gira em torno do que é e do que não é. Nunca deixou de ser. A poesia nos coloca num estado chamado de “pré-relaxamento”, que provoca de forma gradativa uma reação de prazer a cada estrofe. Gradativo, como cair. Gradativo como se apaixonar, como mergulhar. Aos poucos. Em vez de nos invadir num só baque, como quando escutamos uma canção, a poesia gera uma onda emocional crescente que começa antes mesmo do arrepio. A poesia é física. A literatura se lê no corpo. As palavras transitam pelo nosso cérebro como se sempre estivessem lá. É um abraço no corpo, na alma e na mente.

Não sei você, mas descobrir isso mudou minha vida. Muitas vezes durante essa caminhada de amante de palavras, me deparei com muitas pedrinhas disfarçadas de gente. Algumas me fizeram recuar, me dizendo que literatura era coisa de sonhadores. Que poema era coisa de criança apaixonada. O problema era que as pedrinhas jogavam isso em mim, como se fosse algo ruim, como se isso me tornasse inferior. Mas hoje eu vejo, e não é que é mesmo? Literatura é coisa de gente que sonha, que brinca de pular nas nuvens toda manhã. Literatura é coisa de gente que vê além da caixinha que somos treinados para subexistir dentro; que olha a chuva e não tem medo de se molhar. Literatura é coisa de gente que vê a vida como uma breve oportunidade de nunca parar de sonhar.

Lembro-me da primeira vez que ouvi de alguém que escrever poema era bobagem de criança, eu me senti tão pequena que cabia num grão de areia. Demorei muito para entender que não tem nada de errado nisso. Não que a poesia seja isso, mas o sentimento de pureza é bem parecido. Aquele sentimento de que somos capazes de tudo, de que o mundo inteiro cabe nas nossas mãos. Eu realmente gostaria que todos pudessem experimentar essa mistura de carnaval, fim de tarde e primeiro beijo que é a poesia. Eu fiz casa naquele grão de areia. Transformei em meu lar e hoje ele é o maior lugar do mundo. Qualquer coisinha vira a coisa mais linda do mundo quando nossos olhos têm a pupila de quem lê poesia nas pegadas de um pássaro.

Não sei muito sobre quase nada, mas partilho do privilégio de apreciar muitas linhas que se achegam dentro de mim e fazem lar no meu corpo. E acho que, principalmente nesses tempos tão hostis em que fomos jogados, todos precisamos de um respiro. De uma fuga, mesmo que só entre o primeiro e último verso de um poema. A poesia, a literatura, as palavras, elas são esse respiro, esse suspiro de calma depois da angústia, essa leveza de fechar os olhos e sentir o peito bater no ritmo do mundo.

 

Nicole tem 19 anos, nasceu no Ceará, mas passou boa parte da minha vida nas terras candangas de Brasília. Cursa Relações internacionais e é apaixonada por tudo que envolve poesia, arte e seus inúmeros processos e vertentes. Entrou no mundo dos versos por necessidade de externar seus excessos, sem pretensão de algo a mais e acabou achando um segundo lar, e conhecendo pessoas que mudariam sua vida para sempre. Hoje, não sabe o que seria de sua vida se não fossem as palavras. Prefere não saber.

 

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Janiara Santos
Janiara Santos
31 jul 2021

Texto incrível! 🤍

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